A professora Luma Andrade, primeira travesti do Brasil a concluir um doutorado e professora da Unilab (Crédito: Arquivo pessoal) |
“Foi uma surpresa agradável, um reconhecimento do trabalho que está sendo feito na Unilab. Estou feliz porque é um movimento de estudantes”, diz Luma, que em 2010 recebeu uma medalha de honra ao mérito concedida pelo governo do Estado do Ceará a funcionários públicos por seu trabalho na área de educação.
“O fato de ser travesti não é critério para que se assuma uma função, mas também não pode ser o critério que me retire da possibilidade de ocupar qualquer espaço"
Localizada em Redenção, cidade a 66 km de Fortaleza, a Unilab, criada em 2010, é uma autarquia vinculada ao Ministério da Educação, ocupado desde 1º de janeiro pelo ex-governador cearense, Cid Gomes, a quem cabe nomear o novo reitor. Os alunos do movimento “Luma Lá” chegaram a enviar uma carta a Gomes sugerindo a indicação da professora para o posto.
A assessoria de imprensa da universidade esclarece que a campanha foi uma iniciativa de um grupo de alunos e que não houve uma consulta à comunidade acadêmica sobre os possíveis candidatos à reitoria. Como seu estatuto ainda está em fase de aprovação, a Unilab não tem eleições para reitor, que é definido por portaria. A reitora anterior, Nilma Gomes, foi a primeira negra a assumir o cargo.
Luma admite que o fato de ser travesti pode ter dado impulso à candidatura, o que pode ter incomodado outros possíveis candidatos à reitoria. “O fato de ser travesti não é critério para que se assuma uma função, mas também não pode ser o critério que me retire da possibilidade de ocupar qualquer espaço. Às vezes essas possibilidades afrontam alguns interesses mais conservadores”, afirma.
Ela diz que decidiu não encampar a iniciativa dos estudantes, mas que também não vai tentar conter o apoio para assumir o cargo, para o qual diz se sentir “tão preparada quanto qualquer outro professor”. “O nome está posto e há uma parte dos alunos que estão lutando por isso. O fato de estarem colocando o nome de uma pessoa diferente, que não está de acordo com os padrões hegemônicos, é histórico, por isso é importante não silenciar.”
“Ser a primeira doutora travesti é motivo de muita felicidade e tristeza. Quantas Lumas não conseguiram ocupar espaço nessa sociedade?"
A cearense de 37 anos, que em 2012 defendeu tese de doutorado na Universidade Federal do Ceará sobre travestis nas escolas, acredita que sua eventual nomeação como reitora pode servir de exemplo para outros travestis. “Minha história sempre foi de resistência e de dizer que é possível. Estou preparada para qualquer situação que for definida, inclusive a reitoria se me derem oportunidade.”
Professora há 16 anos, Luma diz ter enfrentado todas as dificuldades durante toda sua trajetória. “Desde criança, não me identificava com o gênero masculino, isso irritava meus colegas, fui espancada”, recorda ela que, mesmo assim, conseguiu concluir os estudos e avançar na carreira como professora da alfabetização até a pós-graduação. “Cada espaço que você ocupa, tem que provar que é muito bom, se não, não permanece. Os menores erros são punidos de forma severa.”
Favorável à aprovação da lei de combate à homofobia, ela reconhece que sua história pode ser uma exceção em meio aos travestis – considerado o grupo mais vulnerável à violência entre grupos de defesa dos direitos LGBT. “Ser a primeira doutora travesti é motivo de muita felicidade e tristeza. Quantas Lumas não conseguiram ocupar espaço nesta sociedade?”
Marie Claire