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Che Guevara, o homem que não gostava de trabalhar, mas sentia prazer em matar



Ernesto “Che” Guevara, no centro, em fotografia publicada pela primeira vez pelo jornal cubano Juventud Rebelde em 2005, tirada 45 anos antes pela inglesa Nicola Seyd.| Foto: EFE/Alejandro ErnestoOuça este conteúdo


Em 17 de fevereiro de 1958, em Sierra Maestra, o camponês Eutimio Guerra foi julgado e condenado à morte por Ernesto Che Guevara. Ele havia se unido à guerrilha que combatia o governo cubano, atuando como guia, mas teria colaborado com o exército do presidente Fulgencio Batista. As evidências contra ele eram tão fracas que ninguém queria executar a sentença. Guevara então pegou uma pistola calibre .32 e disparou contra a têmpora do cubano de 37 anos.


Este é o primeiro caso documentado de assassinato a sangue frio liderado por Che. Centenas de outros se seguiriam. Quando a revolução fora vitoriosa e os guerrilheiros se instalaram em Havana, em 1959, o argentino, que dizia ter abandonado a vida confortável de classe média para lutar pelos mais pobres, conduziu fuzilamentos diários ao longo de meses. No posto de juiz chefe do Tribunal Revolucionário, agiu dentro da fortaleza La Cabaña, uma antiga fortaleza espanhola transformada em prisão. O fosso em torno das instalações ficou lotado de cadáveres. As famílias autorizadas a visitar detentos eram conduzidas diante do paredão ensanguentado onde aconteciam os fuzilamentos.


Foi em La Cabaña que Jesús Carrera Zayas, de 27 anos, tombou em 11 de março de 1961. Deixou uma viúva de 20 anos e uma filha de seis meses. Zayas era comandante do exército rebelde. Após a vitória, passou a se opor a uma série de decisões de Che. Acabou detido, acusado de trair os companheiros. Seu assassinato foi conduzido por Fernando Flores Ibarra, mais conhecido pelo apelido “Charco de Sangre” (algo como “poça de sangue”). Uma escola enviou crianças para assistir à execução. Elas eram encorajadas a gritar: “Morte ao verme!”. “Foi Che quem determinou a morte de Zayas. Ele presenciou a execução”, relata, no livro Che Guevara’s Forgotten Victims, María C. Werlau, diretora executiva do Free Society Project, uma organização que atua a partir de Washington para denunciar crimes contra a humanidade cometidos em Cuba.


O livro é referência quando se trata dos crimes de Che. Relata as histórias de vítimas como Angel Maria Clausell García, Demetrio Clausell González, Fidel Díaz Merquías, Cornelio Rojas Fernández e José Castaño Quevedo. “Ernesto Guevara é o maior símbolo do ‘revolucionário chique’, um ícone da cultura de massa. Ironicamente, a maior parte de seus devotos sabe muito pouco, ou mesmo nada, sobre ele”, argumenta Werlau em seu texto. “Na Sierra Maestra, por exemplo, ele se mostrou um verdadeiro serial killer”.


Em La Cabaña, ela prossegue, “durante os julgamentos, regras básicas da jurisprudência foram ignoradas e as acusações do promotor eram consideradas provas irrefutáveis. Cuba, que até então não tinha pena de morte, viu Che Guevara conduzir uma máquina de matar. Ele insistia com seus subordinados: ‘Não atrasem os procedimentos. Esta é uma revolução. Não usem métodos legais burgueses; a evidência é secundária’”.


Com relação aos assassinatos, o próprio Che admitiu, em 1964, diante da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas: “É claro que executamos! E continuaremos executando enquanto for necessário”. Em 1957, durante as atividades da guerrilha, escreveu para o pai: “Hoje descobri que realmente gosto de matar”.


Mitos e lendas

De fato, quase toda a trajetória de Che é marcada por versões distorcidas da realidade. Não há, por exemplo, provas de que ele tenha de fato terminado a faculdade de medicina em Buenos Aires. “Ele concluiu os ensinos num tempo mais curto do que seria possível, e a Universidade de Buenos Aires alega que não tem mais os documentos da época”, escreve Fernando Díaz Villanueva em Vida y mentira de Ernesto “Che” Guevara. “Não havia tempo hábil entre o período em que ele retomou os estudos e as exigências da instituição de ensino para os estudantes de medicina, que incluíam um período obrigatório de prática”.


Talvez por isso, não conseguiu empregos como médico em diferentes países por onde passou em meados da década de 1950, incluindo Colômbia e Peru, num momento em que ele sonhava em chegar aos Estados Unidos para fazer dinheiro. Ele tampouco participou ativamente da defesa do governo de esquerda na Guatemala, como se diria posteriormente – na época, enquanto o presidente Jacobo Árbenz Guzmán renunciava e tinha início uma ditadura militar, ele se escondeu na embaixada argentina, enquanto sua noiva a economista peruana Hilda Gadea Acosta, que o sustentava, era presa. Aliás, depender financeiramente de Hilda não representava um constrangimento para o revolucionário, que poucas vezes na vida trabalhou em emprego fixo. Quando o fez, foi sempre por pouco tempo.


Mesmo como presidente do Banco Central e ministro da Indústria, em Cuba, Che era conhecido por aparecer perto do meio-dia, com roupas militares, lançar as botas sobre a mesa e acompanhar, entediado, os relatórios de seus funcionários, economistas que tentavam, sem sucesso, explicar ao líder os fundamentos mais básicos da rotina do trabalho. Guevara dizia que, caso os técnicos o desagradassem, poderia colocar camponeses para exercer a mesma função. A reforma agrária que ele liderou, assim como o esforço de industrialização do país, tiveram resultados catastróficos. Ele era mais eficiente em gerenciar assassinatos. E em escrever e ditar artigos e panfletos, se deixar fotografar e criar comendas e honrarias para si mesmo.


Campo de reeducação

Entediado, Che deixou Cuba em 1965, em busca de incentivar guerras e revoluções em outros países, especialmente Congo e Bolívia, onde seria preso e executado em 9 de outubro de 1967. Seu interesse maior estava em liderar homens armados. “Precisamos seguir o exemplo perene da guerrilha. O ódio é um elemento básico da luta. Devemos alimentar um ódio sem fim em relação ao inimigo, que nos impele a abandonar quaisquer limitações naturais para nos tornarmos máquinas de matar eficientes e violentas”, ele escreveu, em 1967.


A violência não abria espaço algum para a democracia. Em 1959, ele já tinha declarado: “Precisamos eliminar todos os jornais. Não se faz revolução com imprensa livre, porque os jornais são instrumentos da oligarquia”. Em 1961, fundara na península de Guanahacabibes, no extremo oeste de Cuba, o primeiro campo de trabalho para “reabilitação” para cidadãos considerados transgressores. Entre as punições previstas por Che estavam: beber, apresentar sinais de preguiça, tocar música alta, praticar uma religião ou demonstrar sinais de homossexualidade – o líder era obcecado em perseguir gays.


Ainda assim, a imagem que insiste em permanecer, inclusive nos cinemas, é a do motociclista aventureiro, do revolucionário romântico que se tornou um símbolo sexual e um exemplo de comprometimento com a humanidade. O fato de que ele se instalou em uma das maiores mansões de Havana, com piscina, salão de massagens e cais para iates, não costuma aparecer nos filmes. Nem o fato de que ele promoveu queimas de livros e ajudou a construir a polícia secreta cubana, aos moldes da Stasi da Alemanha Oriental.


Como resume Villanueva: “Che é um quase médico que se especializou em matar. Um comunista que queria fazer fortuna nos Estados Unidos. Um inimigo da propriedade privada que tomava mansões para si. Um defensor dos trabalhadores que quase nunca trabalhou. Um humanista desumano”.


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