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Quem foi Paulo Freire e por que ele é tão amado e odiado?



Paulo Freire (1921-1997) é Patrono da Educação Brasileira e autor da “Pedagogia do Oprimido”. Conhecido pelo método de alfabetização de adultos que leva seu nome, Freire desenvolveu um pensamento pedagógico que defende que o objetivo maior da educação é conscientizar o estudante. Se estivesse vivo, Paulo Freire completaria 100 anos em 2021.


Preso e exilado durante a ditadura militar nos anos 1960, o educador comentou em uma entrevista, em 1994, como a história molda os discursos e que ele já não era mais demonizado como fora antes. A história é mesmo curiosa, já que nos últimos anos o nome de Freire voltou às rodas de alguns setores da sociedade, que veem no educador um doutrinador e propagador do comunismo.

Mas, afinal de contas, por que ele é tão odiado por alguns e tão amado por outros?


Educação como prática de liberdade

De acordo com o biógrafo Sérgio Haddad, que em breve lançará um livro sobre a trajetória de Freire, o texto do inquérito divulgado logo depois que o educador partiu para o exílio afirmava que ele era “um dos maiores responsáveis pela subversão imediata dos menos favorecidos”.

Essa frase diz muito sobre a metodologia de Paulo Freire e por que ela gerava tanto incômodo. O método tratava uma maneira de educar intrinsecamente ligada à vida cotidiana — e por isso também à política. O educador era contra o que chamava de “educação bancária”, que colocava o professor como detentor do conhecimento e o aluno apenas como depositário. Para ensinar, de acordo com ele, era preciso partir da experiência do aluno e do que ele conhecia.


Foi assim que um grupo de professores, sob sua liderança, ensinou 300 adultos a ler e escrever em menos de 40 horas, na cidade de Angicos (RN), em 1963. A metodologia envolvia ensinar os fonemas por meio de palavras que faziam parte do cotidiano dos trabalhadores, como tijolo. A alfabetização em massa inspirou o Plano Nacional de Alfabetização, que foi arquivado e nunca mais retomado depois do Golpe de 1964.


Plano Nacional de Alfabetização

Inicialmente, a experiência de Freire foi financiada pela Aliança para o Progresso, do governo dos Estados Unidos, que acreditava que a alfabetização era um caminho para combater o avanço do comunismo no Brasil. O governo militar, no entanto, viu nela um perigo iminente de revolta dos “menos favorecidos”. Isso porque Freire acreditava na educação como ferramenta de transformação social, como forma de reconhecer e reivindicar direitos.


De acordo com uma reportagem publicada pela ONG Repórter Brasil, muitos atribuíram uma greve dos trabalhadores em Angicos, que reivindicavam carteira de trabalho assinada e repouso semanal, às discussões ocorridas durante a experiência de alfabetização de Paulo Freire. Ao ensinar a escrever a palavra “trabalho”, os professores também levantavam discussões sobre o assunto, e os alunos chegaram inclusive a ler artigos da CLT.


Um outro ponto sensível aos militares da época tocado por Freire e o Plano Nacional de Alfabetização era o direito ao voto. Na época, apenas quem sabia ler e escrever poderia votar. Ou seja, Paulo Freire estava formando leitores e eleitores críticos.


  • Paulo Freire ao redor do mundo

    De acordo com Sérgio Haddad, durante os 15 anos de seu exílio, Paulo Freire passou por diversos países a convite de governos, universidades, igrejas e movimentos sociais. De volta ao Brasil, deu aulas na PUC-SP e na Unicamp, e, de 1988 a 1991, foi secretário municipal de Educação na gestão de Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo.


    Paulo Freire é o brasileiro que mais recebeu títulos honoris causa pelo mundo. Ao todo, foi homenageado em pelo menos 35 universidades brasileiras e estrangeiras. Além disso, mais de 350 escolas ao redor do mundo levam seu nome.


    Em 2016, o especialista em estudos sobre desenvolvimento e aprendizagem Elliott Green, professor da London School of Economics, realizou um levantamento por meio do Google Scholar e elencou Pedagogia do Oprimido, um dos livros de Paulo Freire, como a terceira obra mais citada em trabalhos na área das humanidades em todo o mundo. À época, ela já havia sido citada 72.359 vezes.


    Diversos centros de estudo ao redor do globo se dedicam a estudar a obra de Paulo Freire. De acordo com a BBC, entre os países que estudam e aplicam o método do educador estão a África do Sul, Áustria, Alemanha, Holanda, Portugal, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá. A Revere High School, escola em Massachusetts que já chegou a ser considerada a melhor escola pública de Ensino Médio dos EUA, é uma das aplicadoras.


    Discordâncias

    A mesma reportagem da BBC aponta, no entanto, que não há unanimidade entre pesquisadores a respeito de sua obra e da universalidade de sua metodologia. O especialista em formação de professores Douglas J. Simpson, da Faculdade de Educação da Universidade Cristã do Texas, por exemplo, publicou um artigo que causou polêmica ao questionar se Paulo Freire deveria ser “engavetado”.


    Simpson afirmou também que não concorda com a aplicação de uma mesma metodologia em todas as escolas, e que é preciso também se basear em “práticas meritórias”. Na década de 70, um outro pedagogo americano chegou a afirmar que a pedagogia de Freire abria espaço para acusações de doutrinação e manipulação.


    De acordo com seu biógrafo, no campo político Paulo Freire também não gerava consenso. Recebia críticas dos setores progressistas por conta da sua linguagem com ênfase no masculino (ao menos nas primeiras obras) e por ser contra o aborto, por exemplo.


    No entanto, sua contribuição e relevância no campo da educação, a despeito das críticas que possam ser feitas a ele, são consenso entre pesquisadores, assim como seus esforços para estimular o diálogo e o respeito em sala de aula. “Paulo Freire ensinou, acima de tudo, que precisamos aprender a ouvir, a entender e a respeitar uns aos outros”, afirmou seu crítico Douglas J. Simpson.


    POR TAÍS ILHÉU