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Entenda a suspensão de vacinação de adolescentes determinada pelo Ministério da Saúde



O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou hoje que a pasta recuou sobre a nota técnica que recomendava vacinação em adolescentes sem comorbidade e pediu que Estados e municípios suspendam as aplicações. Segundo o ministro, os adolescentes que tomaram a primeira dose não devem tomar a segunda. Entenda os motivos dessa decisão, o que diz a Organização Mundial da Saúde, especialistas e os Estados.



Segundo o ministro Marcelo Queiroga, é preciso buscar evidências científicas sobre eventuais efeitos adversos da vacinação em adolescentes. Ele argumenta que o Reino Unido, por exemplo, recuou na decisão.


“Tem a questão da miocardite, que está relacionada à vacina da Pfizer. Nós já temos informações de que a miocardite que a covid-19 provoca é muito mais gravosa do que a eventual miocardite provocada pela vacina, mas tem que ter cautela, a evidência científica não é sólida", afirmou Queiroga, em coletiva de imprensa.


Outro motivo citado é que dos 3,5 milhões de adolescentes que receberam vacina contra covid-19, cerca de 1.500 apresentaram eventos adversos, 93% desses eventos foram considerados “erros de imunização”. Mas a maioria dos casos envolveu efeitos leves.


Houve o caso de um adolescente que morreu em São Paulo e teve a morte “temporalmente associada à vacinação” ainda carece de outros esclarecimentos. Não se sabe se o jovem, vacinado com Pfizer, tinha comorbidades.


O que dizem os especialistas

Especialistas não veem riscos relevantes na vacinação de adolescentes e criticam recuo repentino do Ministério da Saúde. Para eles, a recomendação deveria partir diretamente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anivsa), a responsável pela avaliação desse tipo de risco, o que ainda não aconteceu.


Embora reconheçam a importância de se investigar efeitos adversos, eles afirmam que o evento da vacina da Pfizer em jovens e adultos jovens, uma inflamação no coração, é benigna e raríssima. A incidência medida em países de vacinação avançada é de 16 por milhão de vacinados, segundo Isabella Balalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim). Dessa forma, os benefícios da vacinação do público adolescente para sua proteção e interrupção da transmissão do vírus - inclusive para pais e avós - seria mais vantajoso do que a interrupção.


Para Balalai, a consequência mais objetiva desse episódio é a confusão e insegurança gerada para as famílias, que pode limitar o alcance da vacinação no futuro.


O ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, estranha o silêncio da Anvisa sobre a questão e afirma que o episódio demonstra, mais uma vez, a "fragilidade" do Ministério da Saúde na condução da campanha de vacinação. "É mais uma sequela da condução desastrada e criminosa do governo nessa pandemia", diz. A decisão do Ministério, diz, deveria ter sido debatida antes com os Estados.


Anvisa mantém indicação de vacina

A Anvisa diz que não há relação causal entre a morte do adolescente em São Paulo e a vacina da Pfizer e, por isso, as condições para aplicação da vacina em adolescentes de 12 a 17 anos permanecem as mesmas. Ou seja, as vacinas podem continuar a ser administradas nesse público.


A agência informou ainda que vai se reunir com representantes da Pfizer e os responsáveis pela investigação do caso. “Com os dados disponíveis, não há evidências que subsidiem alterações no uso em pessoas de 12 a 17 anos”, diz a Anvisa, em nota.


O que diz a Pfizer

A subsidiária brasileira da Pfizer contestou a afirmação do Ministério da Saúde de que a vacinação de adolescentes saudáveis "não traz benefícios claramente definidos", constante na nota técnica emitida pela pasta para interromper a vacinação desse público.


Segundo a Pfizer, a vacina demonstrou eficácia de 100% em estudo clínico com jovens de 12 a 15 anos com ou sem infecção prévia por covid-19. Os ensaios de fase 3 foram realizados no Estados Unidos com 2.260 adolescentes e, segundo o laboratório, apresentaram "respostas robustas na produção de anticorpos com perfil de segurança favorável". A resposta imunológica gerada pela vacina, defende a farmacêutica em nota, é "muito semelhante" àquela observada em outros grupos etários.


A Pfizer informou, ainda, que acompanha o caso de óbito de um adolescente de 16 anos após receber a primeira dose de seu imunizante em São Bernardo do Campo (SP) e que está ciente de "relatos raros de miocardite e pericardite (inflamações no coração) e outros possíveis eventos adversos" derivados da aplicação de vacinas de RNA mensageiro, tecnologia usada em seu produto.


A companhia diz que não foi estabelecida relação causal entre o óbito da adolescente e o imunizante por ela fabricado. A informação tem sido endossada pelo governo de São Paulo e foi acompanhada pelo próprio Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, muito embora ele atribua a interrupção da vacinação em adolescentes saudáveis à investigação de efeitos adversos.


A Pfizer produz a única vacina hoje autorizada pela Anvisa para uso em adolescentes entre 12 e 17 anos. A última aprovação da Anvisa nesse sentido veio em 11 de julho deste ano, relativa a jovens de 12 a 15 anos. Essa liberação já foi concedida por agências regulatórias de saúde dos EUA e União Europeia (FDA e EMA), além de órgãos análogos em países como Reino Unido, Canadá, Chile, Uruguai, Israel, Dubai, Hong Kong, Filipinas, Cingapura e Japão.


O que diz a OMS sobre a vacinação de adolescentes

A Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda a vacinação, mas também não contraindica.


Para a OMS, crianças e adolescentes tendem a ter doença mais branda em comparação com adultos, portanto, a menos que façam parte de um grupo com maior risco de Covid-19 grave, é menos urgente vaciná-los do que pessoas mais velhas, com condições crônicas de saúde e profissionais de saúde.


A organização diz que mais evidências são necessárias sobre o uso das diferentes vacinas de Covid-19 em crianças para poder fazer recomendações gerais sobre a vacinação contra a Covid-19.


Mas especialistas da OMS concluíram que a vacina da Pfizer é adequada para uso em pessoas acima de 12 anos.


O que farão os Estados

O Conselho Nacional das Secretarias de Saúde dos Estados (Conass) diz que a maioria dos Estados continuará com a vacinação de adolescentes acima de 12 anos. A medida também contrariou os municípios.


Carlos Lula, presidente da entidade, argumenta que a competência para suspender a vacinação é da Anvisa, não do Ministério. O Conass espera uma orientação da agência até amanhã e diz que o Ministério da Saúde está criando uma grande confusão com a medida tomada hoje.


O governo do Estado de São Paulo informou que continuará vacinando os adolescentes de 12 a 17 anos de idade. Já foram imunizadas cerca de 2,4 milhões de pessoas, ou seja, 72% desse público. O Estado disse lamentar a decisão do ministério, que vai contra a orientação de autoridades sanitárias, e diz que a vacinação nessa faixa etária tem sido realizada em países como Estados Unidos, Chile, Canadá, Israel, França, Itália, dentre outros.


Segundo o governo paulista, três a cada dez adolescentes que morreram com covid-19 não tinham comorbidades em São Paulo. Este grupo responde ainda por 6,5% dos casos e, assim como os adultos, está em fase de retomada do cotidiano, com retorno às aulas e atividades socioculturais.


Quanto à morte adolescente citada pelo ministro, o governo paulista diz que até o momento, não há comprovação de relação da vacina ao óbito de um jovem de São Bernardo do Campo. "O Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo está investigando o caso devido à relação temporal com a aplicação da vacina. Qualquer afirmação ainda é precoce e temerária", diz nota do governo.



Por Fabio Murakawa, Matheus Schuch e Gabriel Vasconcelos