Junho desponta manso sob o Rio Piancó, é como se o céu do sertão se abrisse em festa, devolvendo à terra tudo o que o verão levou. As primeiras chuvas batem no chão rachado e seco de Conceição — antes cinza e silenciosa — se veste de verde esperança, se enche de cheiros, de vida e de memória. É o inverno do sertão, tempo sagrado para quem conhece a alma da terra. E é também tempo de São João.
Vem com um cheiro que a cidade inteira conhece de olhos fechados: o de terra molhada depois da primeira chuva no chão seco da caatinga. É um perfume antigo, que desperta lembranças aos filhos de Conceição, canta saudades e convida o coração a dançar. Em Conceição, São João não é só tradição, é parte da própria alma da cidade.
Ah, o São João de Conceição! Não é festa apenas. É rito. É reencontro. É poesia viva dançando em volta da fogueira. A cidade, no coração do Alto Sertão paraibano, se transforma. A brisa fria da Serra do Capim bate no rosto e sopra lembranças de um tempo em que o forró ecoava da Rua da Mangueira ao pavilhão da Prefeitura, onde a sanfona de Pinto de Acordeon fazia o povo se esquecer da dureza da vida.
Na cidade onde nasceu o maestro José Siqueira — que levou o som do Brasil para o mundo — e onde a voz de Elba Ramalho ganhou fôlego com cheiro de mato e alma de estrela, o São João nunca foi só festa junina. É herança, cultura, raiz. É ali também a terra do poeta Ascentino Leite, cuja pena soube decifrar os segredos do sertão com versos que ainda sussurram entre as pedras antigas da Praça da Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição.
As ruas se vestem de festa. A Rua Nova, enfeitada de bandeirolas coloridas, parece sorrir com suas casas coladinhas uma na outra, perto do Colégio aquelas travessas cheias de gente boa, conversando nas calçadas. Ali, o sanfoneiro afinava os primeiros acordes antes mesmo do sol se pôr. A vida corria devagar, mas quando chegava o mês de junho, ela ganhava pressa de alegria.
Na Solon de Lucena, as portas se abriam como braços. Era a rua das prosas longas, do cheiro do bolo de milho saindo do forno a lenha, do café coado em pano, servido em xícara de esmalte. Os meninos brincavam com balões e estrelinhas, enquanto as moças preparavam seus vestidos de chita, rodados como o tempo das festas.
A Rua do Mercado se tornava um verdadeiro palco. Entre bancas de tempero, cordéis e milho verde, ouvia-se o burburinho das preparações: carne de sol sendo temperada, fava escolhida, e o milho ralado para virar canjica e pamonha. Era a cozinha do povo fervilhando em celebração. E ali, o São João era feito de panela e afeto.
A Praça da Matriz, coração da cidade, se iluminava como altar. Era ali o grande encontro: famílias inteiras, turistas curiosos, sanfoneiros veteranos, todos reunidos sob o céu enfeitado, com a igreja abençoando de fundo. As quadrilhas se armavam entre risos e passos sincronizados, e os velhos contavam causos de outros tempos — quando as festas atravessavam a madrugada e o povo só parava quando o dia clareava no horizonte.
Mas São João em Conceição não fica preso às ruas da cidade. Ele se espalha pelo sertão, ganhando força nos sítios que mantêm a chama da tradição acesa com fé e forró. No Sítio Cardozo, os fogos estalam no terreiro, enquanto a sanfona embala os pares na dança da saudade. Na Boa Vista, o licor caseiro passa de mão em mão, aquecendo a conversa e o coração. Já no Limeira, a festança é feita com milho tirado da roça, galinha de capoeira e fogueira acesa com lenha da terra.
É nesse cenário que o sertanejo mostra sua grandeza. Porque ali, onde a estrada de terra leva ao mato e ao aconchego, mora um povo que sabe celebrar o que é simples e essencial: a chuva que chega, a mesa farta, o abraço sincero, a música que não deixa a esperança morrer.
O São João de Conceição não está apenas nos grandes palcos. Ele pulsa nas ruas de chão batido, nas cozinhas cheias de cheiro bom, nas mãos calejadas que preparam o milho, no olhar das crianças esperando a fogueira acender. Está no som da sanfona que se mistura ao som da chuva caindo leve sobre os telhados.
E quem tem o privilégio de viver essa festa, sabe: não é apenas um tempo de alegria. É um tempo de reencontro com a própria identidade. Porque Conceição, em junho, não é só cidade — é emoção vestida de bandeirola, é fogueira acesa no peito, é sertão que dança.
A Conceição antiga, de casas coloniais e janelas abertas, ainda vive no sorriso de quem dançava no Vale Forrozar. A música brota do coração da cidade como água em cacimba funda. Nos tempos da USEC — União dos Estudantes Conceiçãoenses — a juventude já ensaiava passos de resistência e alegria, vestida de xita, chapéu de palha e coragem.
No São João de Conceição, cada rua conta uma história, cada fogueira é um altar, cada zabumba tem um segredo. As quadrilhas se armam não apenas com passos ensaiados, mas com emoção sincera. É o povo que dança, mas é também a memória que canta. A cidade vira uma ciranda de afeto, feita de milho, licor e sanfona — e de um sentimento que não se compra, não se vende e não se apaga.
Porque Conceição não celebra o São João, ela é o São João. É a essência do sertão vestida de festa, é o inverno que aquece corações. E quem já viveu uma noite junina por aquelas bandas sabe: não existe frio quando se dança no terreiro da alma.
E se o tempo passa, que passe. Porque enquanto houver forró na praça, riso nos olhos e estrela no céu, o São João de Conceição seguirá eterno, aceso, vibrando no peito de quem carrega o sertão no coração.
Por Dr. João Vinícius / Fotos divulgação da cidade de Conceição