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Professora vira alvo da polícia e da DPE suspeita de homofobia, na Paraíba

Uma professora de Biologia da cidade de João Pessoa definiu pessoas homossexuais e transexuais como “aberrações, pervertidas e pecadoras” durante uma live no Instagram. 
Um trecho da transmissão tem circulado nas redes sociais e gerado revolta entre internautas. No vídeo, a professora condena o que chama de “práticas sexuais não reprodutivas”. A Defensoria Pública do Estado da Paraíba (DPE) pediu que ela se desculpe e a Delegacia de Crimes Homofóbicos de João Pessoa está acompanhando o caso.

Religiosa, Lourdes Rumanelly Mendes dos Reis tenta argumentar que os adeptos do Evolucionismo também consideram a homossexualidade e a transgeneridade uma “agressão”, mas não cita nenhum artigo ou autor que comprove a sua constatação pessoal. O principal embasamento da professora são versículos retirados da Carta aos Romanos, texto bíblico escrito pelo apóstolo Paulo.

Ela também fala que, ao longo do tempo, as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo foram interpretadas como desvio, crime, aberração, doença, perversão, imoralidade e pecado. Não se sabe a fonte consultada pela professora nesse trecho do vídeo, mas ela deixa claro que concorda com as classificações aberração, perversão e pecado.

“E aí eu quero trazer, para gente refletir um pouco a respeito desse tema e o que Deus diz sobre determinação de sexo, alguns textos. Eu quero que você preste muita atenção nesse texto de Romanos 1, verso 25 ao 29: Eles trocaram a verdade de Deus pela mentira. Deus já começa assim, ó, vrá. Trocaram a verdade de Deus pela mentira. Gente isso aqui é uma mentira”, diz a professora, enquanto manuseia um livro cujo título não fica claro no vídeo. “Isso aqui é uma viagem, é uma mentira. Mas não é só Deus quem está dizendo, é a genética também que está dizendo, é a Biologia que está dizendo, tá bom?”, complementa.

A professora segue a leitura do texto bíblico: “E adoraram e serviram a coisas e seres criados em lugar do Criador. Por causa disso Deus os entregou a paixões vergonhosas. Até suas mulheres trocaram suas relações sexuais naturais por outras contrárias à natureza. Da mesma forma os homens também abandonaram as relações naturais com as mulheres e se inflamaram de paixão uns pelos outros, começaram a cometer atos indecentes, homens com homens, e receberam em si mesmos o castigo merecido pela sua perversão“.

Veja abaixo a parte da live que se tornou pública após compartilhamento em perfis nas redes sociais.

Críticas

Nas redes sociais, o discurso da professora é criticado por muitos usuários. As mensagens rebatem argumentos usados por ela e opinam que o caso deve ser levado à Justiça. Veja alguns dos comentários:

— Uma equivocada que merece ser processada por sua irresponsabilidade.

— ‘Não vai gerar filhos’. Agora me diga quem é o ser humano existente que transa pensando em ter filho? A gente transa por prazer, afinal, o ser humano é o único ser vivo que tem relações por prazer. Se passou feio, fofa.

— Não sabe de nada. Não vive nada do que nós vivemos e vem falar isso. Deus ama a todos, independente de raça, gênero. Já que você fala tanto em Deus, deveria saber que amar ao próximo é um dos mandamentos.

— Até quando as pessoas irão usar a Bíblia, que é a palavra daquele que pregou/prega o amor (Deus) para destilar seu ódio?

— Ter títulos não é sinônimo de sabedoria. Essa professora camufla seu preconceito e discriminação pelo saber científico. Qual a dificuldade desses religiosos cuidar da SUA VIDA e deixar os outros em paz? Caramba! Isso é inaceitável. A verdade não é só uma, o livro está explicando tudo certinho, existem verdades múltiplas e complexas. Eu amo ter a liberdade de conhecimento, para me conhecer e evoluir. Repudio atitudes assim, como a dessa senhora (não é professora para mim).

 

Portal Correio tentou contato com Lourdes Rumanelly por meio de uma das escolas onde ela trabalha, mas não conseguiu resposta. Segundo a instituição, a professora não teria autorizado que o número dela fosse repassado e apenas pegou o contato da redação, sem dar retorno até o fechamento desta publicação.

Em nota publicada no perfil dela no Instagram, a professora disse que em nenhuma de suas falas houve incitação ao ódio, à violência, à ofensa ou à depreciação dirigidas a qualquer ser humano, “o que se compatibiliza com a minha postura profissional ao longo dos 13 anos de exercício do magistério”.

Leia na íntegra:

Professora divulgou nota pública em perfil de rede social (Foto: Reprodução)

Delegado acompanha caso

O delegado de Crimes Homofóbicos de João Pessoa, Marcelo Falcone, disse ao Portal Correio que soube do caso a partir da repercussão nas redes sociais, ou seja, de maneira informal. Ele acionou a Comissão de Direitos da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil na Paraíba (OAB-PB) para que reúna provas que deverão apontar se houve ou não crimes no discurso da professora. A OAB-PB não atendeu os telefonemas do Portal Correio para dar mais detalhes.

Caso seja provado que a professora praticou incitação ao ódio e à LGBTfobia, ela poderá ser enquadrada no crime de racismo, conforme interpretado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e se for presa, poderá pegar de 3 a 8 anos de cadeia. Até que isso ocorra, ou não, é preciso uma investigação policial, que ainda não foi formalmente iniciada.

O delegado orienta que a população pode denunciar casos suspeitos de incitação ao ódio ou preconceito por meio do Disque 100, em qualquer delegacia de polícia ou na Delegacia Especializada em Crimes Homofóbicos de João Pessoa, que fica na Rua Francisca Moura, 36, no Centro, e atende no telefone 3218-6762.

“A orientação é para que as pessoas tenham cuidado com o que dizem na internet. Opinião não pode ser confundida com discurso de ódio, racismo, LGBTfobia ou preconceitos porque isso é crime”, finalizou o delegado Falcone.

DPE pede retratação

A Defensoria Pública do Estado da Paraíba (DPE), por meio da Coordenadoria de Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos, recomendou à professora Lourdes Rumanelly Mendes dos Reis que faça uma Nota de Retratação com pedido de desculpas à população LGBTQIA+ por ter se “utilizado de palavras com motivação homofóbica em live realizada em rede social”. De acordo com a defensora pública Remédios Mendes, a educadora desrespeitou a lei e a diversidade humana ao se expressar para além de suas convicções pessoais e religiosa.

Além do pedido de desculpas, recomendou-se que a professora reconheça a legitimidade do movimento LGBTQIA+, a legalidade de suas ações e sua importância no contexto atual, onde se discute a inserção, a inclusão, o combate a LGBTfobia e o respeito à dignidade da pessoa humana; que reconheça também que o Supremo Tribunal Federal decidiu que homofobia é crime equiparado ao de racismo, sendo inafiançável e imprescritível, e que respeita que a orientação sexual é um direito de cada cidadão e de cada cidadã constitucionalmente assegurado.

A Defensoria recomenda ainda que a professora possa ministrar palestras em escolas públicas de João Pessoa ou outro local a ser determinado pelo movimento LGBTQIA+, sobre o tema “homofobia” e que a nota seja veiculada de forma falada e escrita, com ampla divulgação em suas redes sociais, nos blogs onde foram veiculados e outros meios de comunicação.

Na recomendação, a coordenadoria ressalta que o ciberespaço interfere no processo de relação e produção dos discursos e sentidos. “A fala preconceituosa transpõe a linha do respeito e da dignidade da pessoa humana, não cabendo justificativa que apoie tais ofensas e posicionamentos LGBTIfóbicos”, diz o texto.

Além disso, afirma o documento, “palavras proferidas por pessoa pública, que tem o condão de respeitar as leis e efetivamente os diferentes e a diversidade, bem como o Estado Democrático de Direito, reverberam no ciberespaço, sobretudo quando proferidas por professora, atualmente exercendo função em dois educandários nesta Capital”, pontua.

Escolas minimizam polêmica

As escolas particulares onde a professora dá aulas dissociaram a conduta pessoal dela da atividade profissional e não parecem cogitar qualquer tipo de advertência ou punição.

Procurada pelo Portal Correio, a direção do HBE Colégio e Curso informou que não vai se posicionar sobre o assunto. A escola argumenta que, internamente, nunca recebeu notificações ou reclamações a respeito do comportamento ou conduta da professora.

Segundo a direção, o HBE Colégio e Curso não irá questionar a funcionária sobre o vídeo, uma vez que ele foi postado em uma rede social particular – ainda que tenha se tornado público em outras redes sociais.

Em nota, o Colégio Ethos disse que o conteúdo da live feita pela professora não reflete as diretrizes da escola. O Ethos afirmou que respeita o posicionamento individual e direito de expressão de seus funcionários, mas que também zela pela observância das normas da instituição, que determinam a abolição de preconceitos e atitudes que possam constranger ou discriminar pessoas.

“Uma vez desrespeitadas essas normas, no ambiente escolar, adotaremos as medidas cabíveis no âmbito interno, com a atenção e responsabilidade que o caso exigir”, diz o texto.

Público LGBTQIA+ em risco

O Brasil é um dos países que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo. Um relatório divulgado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) apontou que 126 homicídios e 15 suicídios ocorreram devido à homofobia no ano passado. O número representa média de uma morte a cada 23 horas. A ONG européia Transgender Europe (TGEu) calculou que de janeiro de 2008 a junho de 2016 o Brasil registrou 868 mortes de transexuais, dado que colocou o país no topo do ranking mundial.

Em um país onde o ódio às pessoas LGBTQIA+ é tão enraizado, reproduzir comentários preconceituosos como os de que relações não heterossexuais são aberrações ou perversões podem estimular ainda mais casos de violência. Além disso, a rejeição familiar e social pode provocar danos psicológicos nas vítimas, o que explica os casos de suicídio de pessoas LGBTQIA+.


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