Plantão

‘No Brasil a cobertura política é como coração de mãe, aceita de tudo’, diz professor de economia

O professor do departamento de economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Erick Figueiredo, comenta nesta quinta-feira (29), em seu novo artigo, sobre a cobertura política no Brasil por parte da imprensa.

“Os dragões incorpóreos de chama fria têm-se materializado nas colunas dos principais jornais, blogs e nas reportagens para as suas versões televisivas”.

Leia o artigo na íntegra: 

Tem um dragão em minha garagem

Por Erik Figueiredo

Uma passagem famosa do livro “O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro”, do físico norte-americano Carl Sagan (1934-1996), relata um diálogo no mínimo curioso.
Dois homens estão conversando sobre assuntos diversos quando um deles afirma: “Um dragão que cospe fogo pelas ventas vive na minha garagem”. Abismado, o amigo pede para que ele mostre o dragão. Então, o primeiro homem o leva para a garagem da sua casa, mas lá não há nada além de latas de tinta vazias e ferramentas velhas. Não há nenhum dragão. O diálogo que segue é uma luta entre o racional e a crença irrefutável:

— Onde está o dragão? –  pergunta o cético.

— Oh, está ali. Esqueci de lhe dizer que é um dragão invisível.

— Então que tal espalhar farinha no chão da garagem para tornar visíveis as pegadas do dragão.

— Boa idéia, mas esse dragão flutua no ar.

— Então, por que não usar um sensor infravermelho para detectar o fogo invisível?

— Boa idéia, mas o fogo invisível é também desprovido de calor.

— Sendo assim, pode-se borrifar o dragão com tinta para tomá-lo visível.

— Boa idéia, só que é um dragão incorpóreo e a tinta não vai aderir.

O fato é que por mais absurdo que pareça, esse o diálogo tem-se tornando comum nos dias atuais. Não falo das conversas de amigos, ou das postagens em redes sociais após uma noite de bebedeira. Falo da cobertura jornalística. Os dragões incorpóreos de chama fria têm-se materializado nas colunas dos principais jornais, blogs e nas reportagens para as suas versões televisivas. Os exemplos são diversos e não caberiam nessa coluna, por isso citarei apenas as suas versões atreladas à cobertura política. 

Na âmbito internacional, o presidente Norte Americano Donald Trump tornou-se uma vitima de análises rasteiras e desprovidas de sentido. Sua derrota era tida como certa. O New York Times, um dos maiores jornais do mundo, estampou uma manchete afirmando que a  sua probabilidade de derrota era superior a 80%. Analistas brasileiros radicados em New York (após acordarem ao meio dia e lerem os jornais com notícias requentadas), cravaram a vitória do partido Democrata com um número record de delegados. A Newsweek já possuía uma capa pronta com a foto da adversária de Trump e o título “Madam president”. Contudo, o resultado, digamos, foi levemente diferente: Trump não só venceu como o seu partido, os Republicanos, fez maioria no senado e na câmara dos deputados. Uma das maiores vantagens nos últimos 70 anos. Diante do fiasco, era esperado que a imprensa refletisse sobre seus erros reconhecendo que as suas analises eram mais uma torcida do que uma exposição da realidade.  Em vez disso, eles preferiram convocar o dragão incorpóreo de chama fria: a eleição foi fraudada pelos russos. O resto da história segue o diálogo citado anteriormente, só mudando os personagens.

Aqui no Brasil a cobertura política é como coração de mãe, aceita de tudo. Tivemos um processo constitucional conduzido pelos representantes legais e checado uma, duas, …, n-vezes pelo Supremo Tribunal Federal (STF), classificado como golpe. Desde então, a ‘golpeada’ usa os impostos e a estrutura do estado para denunciar esse ato terrível ao redor do mundo, embora seja incapaz de falar uma língua sequer. Ao falar dela lembramos de uma operação chamada “Lava jato”. Esta operação, que recebe prêmios internacionais, é tratada por aqui como causadora de crises e responsável pela geração de desemprego. Um Jornal local, desses alternativos que ninguém lê, noticiou alguns anos atras que a operação (e não os corruptos) seria responsável pela paralisação nas obras de transposição do Rio São Francisco (se fosse pelo menos Rio São Jorge, teríamos uma justificativa para mais um  dragão incorpóreo de chama fria).  

Ainda no tema Lava Jato, temos um ex-candidato a presidência e atual senador federal sendo poupado da prisão, enquanto seus subalternos eram presos (inclusive a sua irmã), pois, para locus da justiça e da punição, o STF, os mandantes do crime são menos perigosos do que aqueles que o executam.  Por fim, temos ele. Já que falei de dois Santos, não poderia deixa-lo de fora: um certo ex-presidente da república, condenado em duas instancias e com mais processos do que essa coluna pode comportar, posa de perseguido político enquanto faz campanha ilegal ao redor do país. Deseja ser julgado pelo povo, esquecendo que os crimes que são julgados por júris populares são os de homicídio, infanticídio, aborto, instigação, indução ou auxilio ao suicídio. Por hora,  os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro não estão inseridos nessa categoria, pelo menos até que o STF mude o entendimento a respeito.

No meio disso tudo, a imprensa tenta cunhar um clima de normalidade. Os  apoiadores desses serem inomináveis (dentro ou fora das redações), convocam seus dragões incorpóreos com argumentos que estão abaixo da linha da sanidade mental ou dignos daqueles que foram submetidos a um processo de lobotomia (a.k.a, fabrica de intelectuais de esquerda). A realidade passou a ser é um mero detalhe. A honestidade intelectual e o bom senso passaram a figurar na lista daquilo que foi extinto pela humanidade. E não falo de Dragões, pois eles nunca existiram … ops, espera um pouco: tem um dragão em minha garagem…