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Especialista relata ao PB Agora causas de aumento de suicídios na Paraíba e mostra pistas para evitar ato extremo entre a juventude

Suicídio! Uma epidemia silenciosa. Que tem crescido assustadoramente e se manifestado principalmente entre os jovens, na solidão do ser humano e nos momentos de desânimo. Assunto polêmico de ser tratado, o suicídio consiste no ato extremo de quem por algum motivo perdeu o sentido da vida, ou mergulhou no abismo desconhecido da mente e não encontrou forças para voltar.


Considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) uma epidemia de proporções globais, o suicídio avança entre os mais jovens. Dados da entidade revelam que três de cada quatro pessoas que atentam contra a própria vida têm até 29 anos. Os motivos que levam uma pessoa a cometer o suicídio ainda é desconhecido. Apesar do avanço da ciência, entrar na mente humana, é um enigma indecifrável.

Na Paraíba, os dados são preocupantes. E os jovens são as maiores vítimas. Em Campina Grande, quase 10 casos foram registrados nos últimos meses na cidade, e a maioria teve relação direta com fim de relacionamento. O Sistema de Informação sobre Mortalidade da Secretaria Estadual de Saúde (SIM/SES) registra um caso de suicídio, a cada 34 horas. O dado foi divulgado pelo Ministério Público da Paraíba, que lançou a Campanha ‘Setembro Amarelo - Vamos falar da Vida’, voltada para a prevenção ao suicídio. O suicídio na juventude intriga médicos, pais e professores pelo paradoxo que representa: o sofrimento excessivo no período da vida associado a descobertas, alegrias e vínculos de amizades.

Tocar nessa ferida machuca. Dói. Principalmente nas famílias que já conviveram com a perda de ente querido. O PB Agora ouviu um especialista que tratou apontou algumas dicas que podem levar as famílias a prevenir o ato extremo de quem está prestes a tirar a própria vida.

O Psicólogo Clínico, com Formação em Logoterapia e Análise Existencial, Gilvan Melo, não atribui o suicídio a uma única causa. O especialista, atualmente professor da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), e com experiência de estágio na Université Paris Ouest Nanterre La Défense, considera o tema complexo. Para ele, a principal causa é a falta de sentido da vida, e o vazio existencial.

“Na verdade, uma pluralidade de causas pode gerar o crescimento do número de casos de suicídio e de tentativas de suicídio, sobretudo entre os jovens. Do ponto de vista da Logoterapia e

da Análise Existencial, a principal causa do suicídio é a falta de sentido na vida. Esta falta de sentido tem um nome: o Vazio Existencial. Este vazio explica-se pela busca exagerada do prazer e por uma vida movida puramente pelo instinto, em detrimento da busca pelo sentido, expressão da dimensão noética ou espiritual” observou.

Gilvan Melo explica que a a juventude pós Woodstock, pós redes sociais e pós liberação da censura, adquiriu um pleno uso da “liberdade”, sem, entretanto fazer bom uso dela. Segundo ele, trata-se

de uma juventude que não sabe o que fazer com “esta tal liberdade”, acabando, por vezes, a viver uma forma de exacerbação de um prazer sem profundidade e sem fundamento espiritual.

“ Além deste uso exagerado do instinto, o jovem assiste a uma ausência de parâmetros valorativos, o que outrora era garantido pela tradição, seja a tradição religiosa, cultural ou familiar. Não tendo em que se espelhar e podendo realizar a liberdade sem a devida responsabilidade, o jovem pode cair no vazio. E é isto o que está, infelizmente, acontecendo”., lamentou.

Ele orienta familiares a identificar sinais que demonstrem quadro de depressão – distúrbio mental que pode levar ao suicídio. “Isolamento social, choro compulsivo, irritabilidade excessiva, mudanças bruscas de humor e agressividade devem acender o alerta. E a melhor forma de abordar o adolescente é o diálogo”.

De assunto velado a tema de série televisiva de sucesso, a taxa de suicídio na juventude disparou 10% em uma década no País. O Mapa da Violência 2017– estudo anual com base em informações do Ministério da Saúde – indica que a taxa de suicídios na população brasileira de 15 a 29 anos subiu de 5,1 por 100 mil habitantes, em 2004, para 5,6, em 2014.

Segundo a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), a média da Baixada Santista supera a nacional: por aqui, 6,6 pessoas tiram a própria vida a cada grupo de 100 mil – no Estado, a taxa é de 6,9. Trata-se de uma epidemia silenciosa que faz do Brasil o oitavo país em número de suicídios. O índice supera outras formas de morte violenta, como homicídios ou acidentes de trânsito.

Levantamento da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) indica que após uma tentativa frustrada de suicídio, elevam-se em até quatro vezes as chances dessa pessoa atentar novamente contra a vida. E que nove em dez casos poderiam ter sido evitados com uma conversa franca. Apesar dos dados, ainda são tímidas as políticas públicas sobre o tema.

Mais como identificar os sinais de que uma pessoa está depressiva e prestes a cometer o ato extremo? Gilvan dá algumas pistas. Ele ressalta que conhecer alguém que está prestes a cometer o suicídio não é tão fácil, uma vez que esta pessoa pode esconder as suas reais ou obscuras intenções. Entretanto, para a Logoterapia e Análise Existencial é possível afirmar que o tédio e a apatia são os grandes sintomas do vazio existencial.

“O tédio constitui em não ter interesse em nada e a apatia em não ter vontade de fazer nada”, observou.

Segundo Viktor Frankl, na sociedade moderna, este vazio se expressa através da tríade da neurose de massa, ou seja, a dependência química, a violência e a depressão/suicídio. Gilvan Melo acrescenta que seguindo este raciocínio, se uma pessoa estiver manifestando um destes sintomas concomitantes (tédio, apatia, depressão, violência ou dependência química), possivelmente corre o perigo de cometer o suicídio.

Um exemplo recente aconteceu no massacre à escola Raul Brasil em Suzano-SP, ocorrido em 13 de março deste ano. O adolescente mentor dos assassinatos, Guilherme Taucci, era filho de uma dependente química e, ao que se sabe, era viciado em chocolates e em jogos eletrônicos; era integrante de um fórum de discussão sobre crimes violentos, o que culminou em coordenar ataque

à escola; como também estava há um ano sem estudar e vivia em profunda depressão. Em resumo: podemos afirmar que Guilherme estava mergulhado num profundo vazio.

O coordenador Núcleo de Políticas Públicas do MPPB, procurador Valberto Lira, explicou que a campanha ‘Vamos falar da Vida’ é um trabalho de conscientização sobre a prevenção do suicídio. Ele apresentou dados da Organização Mundial de Saúde que afirmam que, a cada segundo, uma pessoa tira sua própria vida no mundo e que 70% desses casos acontecem em países com vulnerabilidade social. O Brasil, segundo esses mesmos dados, ocupa o 8º lugar no mundo no número de mortes autoprovocadas intencionalmente.

Indagado pelo PB Agora sobre qual a melhor psicoterapia ou tratamento para quem enfrenta um problema psíquico, Gilvan explica que qualquer problema psíquico depende dos sintomas que o acompanha. E a forma de tratamento depende da evidência destes sintomas. Ele aponta que não existe uma única psicoterapia capaz de “curar” ou amenizar o crescimento dos sintomas de um determinado problema ou doença psíquica.

“Ainda assim, em se tratando da evidência do sintoma de vazio existencial, o que constitui o que Viktor Frankl denomina de “neurose noogênica” (neurose do espírito), a Logoterapia seria a mais indicada, uma vez que trabalharia com a possibilidade de alargar o “campo de possibilidades de sentido” do paciente, através da capacidade do mesmo realizar valores em sua vida, sejam valores criativos (uso da arte, do trabalho, de ações que contribuam para melhorar o mundo); valores vivenciais (através da contemplação da natureza, relacionamentos com amigos, familiares e com Deus, caso seja teísta) ou valores de atitude (capacidade de mudar a si mesmo diante de uma situação inevitável, em especial diante da tríade trágica: sofrimento, culpa e morte).

O especialista enfatiza que a Logoterapia, através do diálogo socrático, pode provocar o paciente ou criar uma “tensão” necessária para que ele busque uma forma de mudar a si próprio e o mundo, através de ações criativas, de vivências afetivas e de atos transformadores.

Viktor Frankl, o fundador da Logoterapia, esclarece que encontrando o sentido na vida concreta, o paciente pode transformar a tríade trágica em êxito: o sofrimento em realização; a culpa em mudança e a morte em atitude responsável.

Citando Frankl, o especialista apontava a depressão como a doença do século XX e que persiste no século XXI, como sendo uma doença psíquica de difícil solução. E citou uma série de fatores que contribuem para o avanço dessa doença.

“Aclarada ainda mais pela prática do suicídio e potencializada, no momento atual, pelo uso exagerado das redes sociais; pelo distanciamento entre as pessoas, entre as pessoas e a natureza e entre as pessoas e um Ser Criador; pelo relativismo cultural e intelectual, encobrindo a tradição e as formas clássicas de parâmetros ou certezas; e “desvalorizando” os valores universais, sobretudo o valor da família, da vida e da própria humanidade. A depressão hoje é um espelho tênue do vazio existencial em que se encontram muitas pessoas” explicou Gilvan Melo. .

O especialista é orientador há quase 10 anos da Clinica Escola de Psicologia orientando estagiários na prática da Logoterapia. .Ele também é coordenador da Especialização em Logoterapia e Saúde da Família, que tem como objetivo principal capacitar psicólogos e psiquiatras, bem como profissionais da saúde, educação e áreas afins, para identificar, analisar e atuar profissionalmente, diante de problemáticas existenciais, inseridas no universo clínico-educacional das famílias, sob a perspectiva da Logoterapia e Análise Existencial de Viktor Emil Frankl.



Por Severino Lopes