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Briga com Cagepa é desde 2004 e mais cidades falam em municipalização

O embate entre a Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa) e municípios paraibanos não vem de agora. Constantemente, prefeitos anunciam o desejo de anular o contrato com o órgão. O caso mais recente é o de Santa Rita, Região Metropolitana de João Pessoa, que nessa quarta-feira emitiu um decreto neste sentido, alegando, entre outros fatores, falhas nos sistemas de abastecimento de água e de saneamento operados pela estatal.

Mas a Paraíba já tem uma experiência de anulação de contrato com a Cagepa. Trata-se da prefeitura de Sousa, que municipalizou o serviço de abastecimento no ano de 2004, na gestão do então prefeito Salomão Gadelha, que morreu em 2010.
Na época, foi criado o Departamento de Água, Esgoto e Saneamento Ambiental de Sousa (Daesa), uma empresa pública municipal, que faz o mesmo serviço, com as mesmas condições estruturais da Cagepa. Porém, a gestão tem uma dívida de R$ 70 milhões com o órgão.

Mas o resultado dessa municipalização não foi positivo. A falta de um marco regulatório que provocasse uma mudança no modelo gerencial e administrativo da empresa acabou levando a empresa a um alto nível de inadimplência que compromete os serviços oferecidos.

O professor doutor em recursos hídricos Francisco Sarmento acredita que a Daesa foi criada apenas para se ter mais um órgão nas mãos da prefeitura de Sousa, porém com um serviço ruim para a população. “Sousa, por exemplo, teve seus serviços de água e esgoto municipalizados em 2004, e desde lá não houve um resultado positivo, pois se manteve o modelo do serviço público, feito pela Cagepa, resolvendo pendências com a camaradagem e perdoando dívidas em troca de voto, o que gerou um alto nível de inadimplência”, explicou o especialista.

Dívidas com a Cagepa
De acordo com o jornalista e ex-correspondente do Sistema Correio de Comunicação , Alexandre Galvão, como, apesar da municipalização, grande parte do serviço ainda é realizado pela Cagepa, o município de Sousa tem uma dívida milionária com o órgão.

“De 2004 para cá a prefeitura não repassou um centavo para a Cagepa. Hoje, o município tem uma dívida de 70 milhões de reais. Por conta disto, a Cagepa entrou com um processo no Tribunal de Justiça pedindo a consideração da dívida”, explicou.

Alexandre disse ainda que após o anúncio de Salomão, o governo do Estado, à época, entrou com uma ação judicial para impedir a municipalização. O processo se arrastou por aproximadamente seis meses, com inúmeras liminares para ambos os lados. Até que o Superior Tribunal Federal (STF) deu ganho de causa para Sousa.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Cagepa, que informou que não poderia fornecer informações acerca de dívidas de seus clientes.

Discussão nos municípios
No foco das discussões por serem os gestores das duas maiores cidades paraibanas, os prefeitos de João Pessoa e Campina Grande, Luciano Cartaxo e Romero Rodrigues, respectivamente, já se manifestaram em outros momentos sobre o assunto. O prefeito da Rainha da Borborema discursou em favor da municipalização, mas não apresentou nenhuma proposta concreta ou algum projeto claro. Já o da Capital descartou a municipalização da água, mas enfatizou que seguiria no caminho das cobranças à Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba (Cagepa) por melhorias no setor.

Por ser contemplada com as águas da transposição do Rio São Francisco, a prefeita de Monteiro, Anna Lorena, também se mostrou favorável à municipalização dos serviços de tratamento de água e esgoto na cidade.

Campina Grande
Em abril de 2017, Romero Rodrigues tratou sobre o tema, em uma matéria trazida pelo Jornal CORREIO. “Estamos debatendo o plano municipal de saneamento básico, que não trata exclusivamente da gestão de água e esgoto, trata das regras gerais do tratamento desses serviços na cidade. Em relação a questão da concessão, que pertence ao município, estamos trabalhando e debatendo com as instituições para saber o que fazer com algo que é nosso. Vamos elaborar um projeto, lançar um modelo para levantar os quantitativos de custos e colocar à disposição do mercado”, disse o prefeito de Campina Grande, Romero Rodrigues, à época.

Monteiro
Primeira cidade da Paraíba a receber as águas da transposição, Monteiro também foi especulada para a municipalização dos serviços. A prefeita Anna Lorena também chegou a falar em ter os serviços municipalizados à época da chegada da transposição. A gestora também destacou o serviço ruim da Cagepa na cidade.

“É vontade de Monteiro municipalizar as águas, pois o município sofre em olhar para a água e não ter essa água na torneira. Nós estamos utilizando nossos técnicos para pedir um parecer de viabilidade técnica e econômica para podermos iniciar o processo de municipalização das águas do nosso município. O funcionamento da Cagepa é muito precário, às vezes falta água por um mês inteiro e não é por questões de falta d’água, mas sim por problemas técnicos, como bombas quebradas, vazamentos etc.”, explicou a gestora.

João Pessoa
Na Capital, a proposta de municipalizar os serviços foi descartada pelo prefeito Luciano Cartaxo. O gestor disse que a prioridade da prefeitura é cobrar uma melhoria nos serviços da Cagepa, que segundo ele, são de péssima qualidade, pois além da falta d’água constante em alguns bairros, a Companhia acaba danificando algumas intervenções da prefeitura. É o caso da operação tapa-buracos, que, segundo Cartaxo, realiza um serviço de qualidade, porém, acaba sendo refeito depois que a Cagepa faz algum procedimento, pois usa um material muito inferior ao da prefeitura.

“Na realidade o que estamos cobrando é uma melhor qualidade nos serviços da Cagepa. Neste ano a Cagepa apresentou aumento de 12 % na tarifa, mais de 50% acima da inflação. O que vemos é a Companhia fazendo um desserviço à João Pessoa, pois quando a prefeitura tapa um buraco e a Cagepa precisa fazer uma intervenção, ela faz um serviço muito inferior ao que foi feito anteriormente. A Cagepa apresenta um superávit de mais de 20 milhões, está na hora de transformar esse superávit em ações de qualidade para a população da Paraíba”, destacou o prefeito de João Pessoa.

Estado em atrito com Santa Rita
O procurador-geral do Estado, Gilberto Carneiro, classificou o decreto da Prefeitura de Santa Rita, que determina a anulação do contrato com a Cagepa, como “injusto, ilegal e irresponsável”. O decreto prevê que após o fim do contrato, uma nova licitação seja aberta para que uma nova empresa seja responsável pela distribuição de água no município.

Gilberto anunciou que a Procuradoria-geral do Estado da Paraíba (PGE-PB) vai formalmente notificar a prefeitura para revogação do decreto. Segundo ele, poderão ser adotadas medidas judiciais cíveis e penais adequadas ao caso concreto.

“A Cagepa é uma empresa sólida, consolidada e que utiliza o sistema de subsídio cruzado, ou seja, a arrecadação dos Municípios mais ricos garante a sustentabilidade dos mais pobres. Portanto é uma medida injusta”, disse Carneiro.

O procurador explicou que o Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1842, decidiu que a titularidade do serviço e o poder de concessão é do colegiado formado pelos Municípios e pelo Estado Federado, microrregiões de saneamento, e não de um município isolado, portanto uma decisão flagrantemente ilegal.

“Toda a tubulação, estações de bombeamento e de tratamento de esgoto são da Cagepa. Como o Município irá fazer a distribuição da água? Irá se locupletar [ganhar dinheiro por meio de algo] criminosamente do sistema da Cagepa? Portanto, uma decisão irresponsável”, finalizou.



Por Rammom Monte e Gabriel Botto