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Por que mulheres vítimas de violência não conseguem denunciar? Saiba onde procurar ajuda

“Só o fato de você nascer mulher hoje em dia já é uma desvantagem. 
Eu tenho medo de sair de casa sozinha porque sei que existe muito mais possibilidade de algo de ruim acontecer comigo do que com um homem”, a frase da estudante Nathália Lígia, de 25 anos, reflete bem a realidade das mulheres brasileiras, principalmente das paraibanas. No Brasil, a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada.

Na Paraíba, somente em 2017, a Delegacia da Mulher já registrou 51 casos de agressão a mulheres no primeiro trimestre do ano, isso sem
falar que esse tipo de crime tem alto índice de sub-notificação, ou seja, as vítimas não prestam queixa nas delegacias. Os dados corroboram para que uma ‘cultura de estupro’ se instaure na sociedade e atormente as mulheres que precisam aprender a conviver com o medo e a insegurança.

Medo antes e depois

Como a estudante Nathália atesta, muitas mulheres vivem com um constante receio de sofrer algum tipo de violência. Além dos números, uma herança patriarcal e colonial que subjuga as mulheres ainda paira no Brasil. Porém, o medo também existe após os casos de assédio e estupro. Em 2016, foram registrados em todo o Brasil 4.978 casos de abuso sexual. Todavia, o instituto National Crime Victimization Survey (NCVS) estima que esse número possa ter sido superior a 300 mil, visto que, segundo a pesquisa, apenas 35% das vítimas prestam queixa às autoridades. A coordenadora da Delegacia da Mulher na Paraíba, Renata Matias, orienta as mulheres que a denúncia pode ajudar a Polícia a encontrar o estuprador e evitar que ele faça outras vítimas.

“Não tenham medo, não tenham vergonha, as pessoas acham que não vai dar em nada, mas a gente pode identificar o agressor de mais uma mulher. Precisamos ter essas informações, porque a gente pode identificar outros crimes que ele tenha praticado. É feito um procedimento policial para instaurar um inquérito e começar a investigação”, salienta a coordenadora.

Na Paraíba, o número de registros de estupro e agressão a mulheres nos primeiros três meses do ano diminuiu. Em 2016, foram catalogadas 58 ocorrências, enquanto em 2017, foram registrados 51 casos. Porém, esses dados não merecem tanta confiança, já que a maioria das mulheres não vai até a delegacia por vergonha ou medo de represálias.

Onde procurar ajuda?

A Delegacia da Mulher orienta às mulheres que foram vítimas de assédio que a primeira providência a ser tomada é ir até um Hospital. “O primeiro passo é procurar atendimento médico em um prazo de 72 em um hospital de referência, no caso o Cândida Vargas ou o Frei Damião, para fazer a profilaxia pra doenças sexualmente transmissíveis ou gravidez indesejada. Esse prazo é imprescindível para que a medicação seja eficaz”, finaliza Renata Matias.

Como conviver com o Trauma?

Um estupro ou assédio pode causar muitos danos na vítima e os prejuízos não são apenas físicos. Muitas mulheres passam a ter problemas psicológicos após vivenciar um trauma deste gênero. A psicóloga Mayara Almeida explica que as vítimas podem entrar em um estado de ‘hipervigilância’. “Muitas vezes, a mulher sofre um estresse agudo com o trauma, com dissociação da consciência, dificuldades de se lembrar de partes importantes do evento, pesadelos e evita coisas ou lugares que lembrem a situação. Além dos danos psicológicos, o estupro pode causar lesões físicas, transmitir doenças ou gerar uma gravidez indesejada. Dessa forma, o apoio da família é primordial e o acompanhamento psicológico é extremamente necessário para acolher as demandas de sofrimento que surgem após o fato, para reorganização psíquica e reconstrução da vida social da mulher”, orienta a especialista.

Principal alvo

Por mais impressionante que possa parecer, os números de estupro e violência são bem maiores quando se trata de crianças e adolescentes. Um levantamento do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) também observou que 70% dos casos registrados de assédio estão relacionados a meninos e meninas de 0 a 15 anos. Desse número, metade tem histórico de outros estupros. A recorrência geralmente acontece quando o estuprador é pai ou padrasto da vítima. Outro dado alarmante é que quando as vítimas são do sexo masculino, o silêncio é muito maior, pois além do medo de represálias, a vergonha de ter a masculinidade questionada impede os garotos de prestar queixas à polícia.

Cultura de Estupro

No Brasil, muito se fala sobre a ‘cultura de estupro’. O termo ficou popular graças aos constantes casos de violência sexual e feminicídios que acontecem no Brasil. Para se ter noção do problema, o número de mulheres mortas na Paraíba aumentou 260% do ano de 2015 ao ano de 2016, que registrou a quantidade absurda de 408 assassinatos de mulheres por sua condição, segundo a pesquisa do Ipea.

Para entender o termo ‘cultura de estupro’, é preciso voltar ao significado de cultura. “A natureza, no homem, é inteiramente interpretada pela cultura”, explica o escritor Denys Cuche, em seu livro ‘A noção de cultura nas ciências sociais’ (1999). Ou seja, a cultura representa tão somente o que está na natureza do ser humano e é refletido na sociedade. É justamente sobre uma série de comportamentos tomados pelas pessoas que relativizam e suavizam a violência e assédio sexual nas comunidades. A palavra ‘cultura’ no termo ‘cultura do estupro’ reforça a ideia de que esses comportamentos não podem ser interpretados como normais ou naturais. Se é cultural, nós criamos. Se nós criamos, nós podemos mudar. Mude!




Por Luís Eduardo Andrade | Correiodaparaiba